segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Quando a preservação passa muito além do simples tombamento

 A Casa Guilherme de Almeida, na rua Macapá, que é tombada

Para preservar o patrimônio de uma cidade, é preciso tombá-lo? Edifícios históricos, obras relevantes, manifestações culturais locais, espaços verdes, sítios arqueológicos, conjuntos e equipamentos urbanos dependem apenas do Estado para continuar intactos?

Maria Lúcia Bressan Pinheiro, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, é categórica ao responder: tombamento e preservação do patrimônio histórico não são sinônimos, apesar de ser essa uma ideia vigente no Brasil, e nem só belos monumentos devem ser preservados. "A preservação é muito mais abrangente que o tombamento. Ela envolve um conjunto de medidas, que vão desde intervenções físicas no bem cultural até políticas públicas, destinadas à manutenção do patrimônio para as futuras gerações - e o tombamento é só uma delas, muito embora represente o primeiro passo, pois não temos uma cultura preservacionista arraigada."

Segundo ela, existe uma hierarquia de necessidades - alimentação, emprego, saúde - que faz com que "as pessoas nem parem para pensar que há um passado, com coisas esteticamente bonitas, que contam a nossa história e as nossas origens". Por outro lado, persiste uma certa apatia em relação à preservação, no país, e tudo acaba ficando a cargo do Estado. Muitas empresas e indivíduos mal concebem uma atividade lucrativa em uma casa tombada, e, no entanto, "um empreendimento como um restaurante ficaria muito mais charmoso ali", opina.

Ana Beatriz Airosa Galvão, superintendente do Iphan/SP (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), endossa a abrangência do conceito: "A preservação é um grande arco com várias ações voltadas para o patrimônio cultural". Quando se trata de um bem material - monumentos, edifícios, entre outros -, é possível recorrer ao tombamento. Em relação ao patrimônio imaterial, que integram, por exemplo, manifestações culturais que vão do erudito ao popular, é preciso fazer o registro por fotos, cinema ou livro: "Nesses casos, é preciso fazer um plano de salvaguarda para garantir a continuidade do saber". "Para obter o reconhecimento legal do bem, o governo pede um estudo, um dossiê ou um inventário comprovando a veracidade da demanda e uma proposta de manutenção."

Vista geral do bairro do Pacaembu

Em qualquer circunstância, ressalva ela, "para realmente avançar - muito embora São Paulo tenha avançado bastante em matéria de tombamento e de mobilização social -, precisamos de ações compactuadas com a comunidade".

Explica-se: para a diretora do Iphan/SP, no grande balaio do patrimônio relevante de São Paulo cabe a preservação de inúmeras riquezas, tais como ruas, orelhões, postes de luz; áreas verdes e remanescentes de matas nativas; registros arqueológicos, águas e até mesmo espaços vazios. "Precisamos resguardar os marcos históricos, sem esquecer de dar à preservação um sentido desenvolvimentista", avalia.

Com esse olhar concorda Maria Lúcia Bressan Pinheiro. Lembrando que preservar um conjunto, e não só uma unidade - isto é, uma fábrica, mas não toda a vila operária -, é menos caro e, por isso, mais costumeiro no Brasil, a professora da FAU destaca o restauro do Pelourinho, em Salvador, Bahia, como exemplo mal sucedido de intervenção: "Temos uma visão equivocada de que se deve trazer o local ao seu estado original, que muitas vezes nem sabemos qual era. Ou completar o que falta. Nesse caso, as casas estavam arruinadas e as fachadas foram completadas, emulando a arquitetura original. Os moradores foram expulsos e a única atividade de preservação que se fez ali foi uma intervenção física nos edifícios, o que favoreceu a instalação de joalherias de grife. Com isso, perdeu-se a originalidade do valor do patrimônio."

No movimento contrário, figura a Pinacoteca de São Paulo, um edifício tombado que sofreu, segundo ela, uma importante intervenção em termos de projeto, "mas ficou no limite correto entre respeitar o que havia e introduzir novos elementos, permitindo seu uso por mais pessoas, que passaram a frequentar o espaço".

É esse tênue equilíbrio entre a imagem arquitetônica congelada no tempo e a sua integração no espaço urbano atual que move a associação Viva Pacaembu por São Paulo, uma das mais tradicionais mobilizações sociais da cidade.

Criada em 2001 em função do novo plano diretor de São Paulo e da reformulação do zoneamento que embutia, passou a representar 3.276 domicílios localizados na área tombada do Pacaembu e elegeu como objetivos preservar as características do bairro: o traçado do aruamento, as áreas verdes, a volumetria das edificações (recuo e altura dos prédios permitidos) e o Estádio do Pacaembu, entre outros marcos arquitetônicos.

Mas não só: escolheu resguardar o silêncio e a relação entre os vizinhos. "Sem memória, não existe nação", diz Iênidis Benfati, presidente do Conselho Deliberativo da Viva Pacaembu. "Por isso, optamos por solicitar o tombamento da Casa Guilherme de Almeida, localizada na rua Macapá, no final dos anos 2000, e promover saraus de poesia e outros eventos culturais."

No bairro, há restrição ao uso do estádio do Pacaembu para grandes espetáculos de rock. Em contrapartida, a visita ao local passou a ser incentivada pela criação do Museu do Futebol, em 2006. "Afinal, preservar não é engessar", argumenta Iênidis.

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