quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

José Roberto Boisson de Marca: "Sem engenheiros, o Brasil não avança"

 Boisson em sua casa, no Rio de Janeiro. Para ele, importar profissionais é uma opção para o Brasil, pelo menos no curto prazo.


O carioca José Roberto Boisson de Marca assumirá, a partir de janeiro do ano que vem, a presidência do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), a maior organização técnico-profissional do mundo, com 400 mil membros em 160 países. Será o primeiro brasileiro a ocupar o posto nos 128 anos de história do instituto. A carreira de Boisson lhe dá as credenciais para o cargo. Atualmente, ele dirige o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do CNPq, preside a Sociedade Brasileira de Telecomunicação e ainda dá aulas na PUC-Rio. À frente do IEEE, uma de suas prioridades será aproximar empresas e universidades. E diz por que isso ainda é um problema na área de pesquisa.

ÉPOCA – Por que o Brasil tem tanta carência de engenheiros?
José Roberto Boisson de Marca – Os jovens querem ganhar dinheiro rápido. A engenharia não oferece isso. É uma carreira mais lenta, com salário inicial não tão alto. Acaba não sendo atraente para o recém-formado. A engenharia não atrai mais as pessoas como antes. Na minha época de vestibular, passar era difícil porque tinha muita gente concorrendo. Hoje, os pontos necessários para ser aprovado em engenharia são menores que os de medicina, Direito ou comunicação social. O curioso é que hoje há um deficit de 100 mil profissionais. Pela lógica da oferta e da procura, isso deveria aumentar os salários, mas isso não acontece. Por que algumas empresas pagam muito mais para quem faz o marketing do que para o engenheiro? Entendo isso em companhias que não criam tecnologias, mas não naquelas que fazem isso. Temos de discutir o assunto, porque o país está crescendo, mas não avançará sem engenheiros.

ÉPOCA – O deficit de engenheiros é um problema mundial?
Boisson – Sim, ocorre em vários países. Até mesmo os Estados Unidos formam poucos engenheiros. Parece ser uma questão do mundo ocidental, talvez por haver uma ênfase na parte financeira dos negócios e na preocupação em gerar lucros rapidamente. Isso não é um problema em países como a China. Lá, a carreira é considerada fundamental num país que cresce e investe muito em infraestrutura.

ÉPOCA – Como resolver esse problema?
Boisson – No IEEE, criamos um portal para tentar desmistificar a carreira, mostrar que não é algo só para nerds, nem uma área ruim para ganhar dinheiro. As universidades e empresas deveriam criar cartilhas e seminários para mostrar que a engenharia é uma profissão fundamental para nossa qualidade de vida. Que está presente em tudo, desde itens básicos, como uma geladeira, até áreas sofisticadas, como a telemedicina. Deveriam mostrar que trabalhar com isso é lidar com o que há de mais excitante no mundo. O governo também deveria se empenhar nisso, já que o país precisa de engenheiros.
Ou a gente faz nossas
patentes para trocar com as multinacionais, ou realmente pagaremos
caro por isso 

ÉPOCA – Uma saída seria importar profissionais?
Boisson – Não queremos isso a longo prazo. Mas, a curto prazo, é uma opção. A Alemanha faz. O intercâmbio de pessoas é bom para a pesquisa e o desenvolvimento. Hoje, temos muitos estudantes estrangeiros no país. Cerca de 70% de meus alunos são do resto da América Latina. O Brasil é muito rigoroso com vistos de trabalho. Se não temos gente suficiente se formando e nem teremos nos próximos cinco ou dez anos, deveríamos aproveitar quem já está aqui, em vez de dificultar.

ÉPOCA – O programa do governo federal Ciência Sem Fronteiras, que paga bolsas em universidades estrangeiras, ajuda?
Boisson – A ideia é boa, mas precisa ser bem gerenciada. O estudante não pode só viajar para passar um tempo fora do país. Temos de aproveitar essa mão de obra e tomar o cuidado para não apenas transferir alunos para o exterior. Lá fora, também faltam estudantes, por isso cobiçam os nossos.

ÉPOCA – Qual o papel da escola na formação de engenheiros?
Boisson – Elas deveriam criar programas para apresentar o universo da engenharia aos alunos. Adaptar o currículo para gerar mais não só interesse, mas também qualificação. Por causa de mudanças curriculares e da filosofia de ensino, a escola não reprova nem cobra como antes. O nível de quem entra na faculdade caiu. Sabem pouco de matemática e física. Por isso, não podemos dar aulas na universidade no mesmo nível de antes, senão os estudantes não acompanham ou nunca passam de ano. Aí formamos profissionais menos qualificados.

ÉPOCA – Quais serão as prioridades de seu mandato no IEEE?
Boisson – Uma delas será aumentar a colaboração de profissionais da indústria com a academia e o próprio instituto. Hoje, as empresas estão mais interessadas em gerar propriedade intelectual e patentes. Entendem que isso é fundamental para sua sobrevivência. Por isso se fecham. Antes, elas discutiam os produtos que estavam por vir. A tendência atual é esconder ao máximo e divulgar só depois. Também há, nas empresas, uma pressão por resultados de curto prazo. Seus profissionais não têm tempo de debater o que estão fazendo. Eles não podem ficar três ou quatro dias fora do trabalho para ir aos fóruns de discussão de suas áreas. Isso dificulta a divulgação do conhecimento. Não há questionamento. No final, empobrece o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, que sempre se beneficiaram dessa troca de ideias. A comunidade europeia obriga a colaboração entre empresas e universidades. Isso é importante para que os pesquisadores acadêmicos possam conhecer os problemas da indústria e criar soluções.

ÉPOCA – Essa distância entre universidade e indústria parece ser ainda mais acentuada no Brasil. Por quê?
Boisson – Falta gente com formação na indústria para dialogar com a universidade. Vejo poucos doutores em empresas. Em Cingapura e na China, é comum haver centros de pesquisa de empresas próximos a universidades. Também é preciso mudar os incentivos. Na carreira acadêmica, conta mais quantos artigos você publica. O cientista prefere publicar mais e mais rápido, mesmo que de forma mais superficial, em vez de demorar um pouco mais para entender um problema complexo. A Itália criou uma comissão para avaliar o impacto dos melhores trabalhos de seus pesquisadores pela influência nas atividades industriais.

ÉPOCA – Por que ainda há poucos profissionais com formação avançada na indústria?
Boisson – Porque a indústria não valoriza tanto o conhecimento. Mas ela precisa investir em pesquisa e criar novas tecnologias. O governo deveria criar uma política para estabelecer a importância e os benefícios de essas empresas terem centros de pesquisa. Ainda há poucos no país, por isso faltam vagas para esse profissional. Quando há uma vaga, paga-se o mesmo salário para um profissional menos qualificado. Há um movimento recente de multinacionais abrirem seus centros no Brasil, como GE e IBM. O governo tinha de atrair mais investimentos como esses. Tinha de haver mais brasileiros trabalhando em centros como esses. Depois, com a experiência obtida, eles abririam suas próprias empresas. Isso criaria postos de trabalho também para quem vai estudar fora e volta. A maioria dos que regressam acaba subutilizada.

ÉPOCA – Por que as empresas brasileiras não investem em pesquisa e desenvolvimento?
Boisson – Elas preferem comprar a tecnologia pronta e ganhar dinheiro com a oferta do serviço. Acham o custo da pesquisa muito alto, porque pensam no retorno no curto prazo. Lá fora, investe-se em pesquisa porque se pensa para daqui a dez anos. A crescente competitividade em escala global mudará isso. Ou a gente faz nossas patentes para trocar com as multinacionais, ou realmente pagaremos caro por isso.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário