terça-feira, 18 de junho de 2013

Estabilização de Taludes


A estabilização de taludes naturais, de corte ou de aterros compactados talvez seja a demanda mais comum do grande universo das obras da Engenharia Geotécnica. Seja em obras viárias, em barragens, em mineração, em canalização de cursos d’água, em terraplenos para instalações industriais ou comerciais, em zonas de expansão urbana, em escavação de valas, em encostas naturais de regiões serranas, etc., lá estão os taludes a representar ameaças graves e reais para a implantação e a operação dos serviços pretendidos.
Em um país como o nosso, com grande parte de seu território caracterizado por um clima úmido e quente, o que se traduz em forte atuação do intemperismo químico sobre os maciços e em históricos pluviométricos críticos, fenômenos de instabilidade de taludes impõem-se sobremaneira como comuns e problemáticos.
Pode-se afirmar que em termos teóricos e práticos a Geotecnia brasileira destaca-se, inclusive em termos internacionais, por sua grande evolução, especialmente a partir dos anos 60, no entendimento e no enfrentamento do problema.
No entanto, por motivos que demandariam uma maior análise, o que se tem visto mais recentemente é o predomínio, ou do descaso, quando então “torce-se” para que não aconteça nada com o talude e incorpora-se o risco de  enfrentar-se as conseqüências de uma eventual ruptura ou erosão generalizada, ou da adoção cômoda da “moda” tecnológica do momento para uma pretendida solução do problema.
Essa questão do modismo em obras de engenharia, diga-se de passagem, é um dos fatores que mais depõem contra a imagem técnica nacional. Pois que o modismo expõe justamente a fragilidade técnica para a compreensão e avaliação do problema real e singular que se enfrenta, providência que, se bem conduzida, propiciaria a escolha de uma solução específica ótima para cada caso em particular. Com certeza, sempre mais segura e mais econômica.

É prática do modismo na engenharia o caminho inverso do pensamento racional e científico: “tem-se a solução e sai-se à procura do problema”.
Na linha do modismo, por muito tempo enfrentamos, no caso da estabilização de taludes, a “ditadura” do muro de gravidade de concreto. Seguiram-lhe os extensos retaludamentos em bermas de alívio. Mais à frente, apresentou-se a “panacéia” da cortina e dos painéis atirantados. Logo adiante apareceram os “milagrosos” gabiões, sendo indicados para todo tipo de fenômeno. Todas essas alternativas, com maior ou menor intensidade, lançaram também mão dos polêmicos drenos horizontais profundos. Algumas técnicas complementares também gozaram seus momentos de fama e cobiçado modismo: hidro-semeadura, geo-téxteis, telas orgânicas, terra armada, entre outras. Mais recentemente tenho percebido a adoção de mais um modismo, desta vez o concreto projetado com tela de armação, técnica também conhecida por “tela argamassada”.
Seja o caso de uma suspeita de ruptura profunda, seja o caso do risco de desprendimento de blocos de rocha, seja o caso de uma desagregação ou uma erosão superficial ou outro fenômeno qualquer, lá está a “milagrosa” solução: tela argamassada. E para completar a precariedade do conhecimento técnico, instala-se a indefectível malha geométrica daqueles drenos de PVC, desde a base até praticamente o limite superior do talude, como se o nível d’água pudesse variar com essa extensão vertical em um talude de corte. Fosse o caso de se aliviar eventuais sub-pressões entre a face do talude e a crosta de concreto por águas infiltradas, bastaria que se picotasse (perfurasse) esta crosta, obedecendo a mesma malha geométrica, com um bom martelo de ponta, o que dispensaria aquela infinidade de tubos “espetados” passando a idéia de sofisticados drenos.
Enfim, a base do modismo tecnológico está no descaso com a necessidade de uma boa investigação fenomenológica, e seu resultado prático é a profusão de obras de estabilização que não têm absolutamente nada a ver com os reais fenômenos de instabilidade ocorrentes nos taludes a que se destinam. Uma enganosa facilidade de momento que leva inexoravelmente a gastos desnecessários (“matando moscas com canhão”) ou a problemas que vão desde graves acidentes a enormes despesas com serviços de manutenção, sobre-conservação e recuperação para um futuro próximo. Como sempre, uma “esperta” economia em projeto e em consistentes estudos preliminares continua vitimando o orçamento de contratantes, impondo-lhes com freqüência graves problemas de ordem logística e jurídica. Como também colaborando para corroer sua imagem social.
O abandono do deletério modismo tecnológico passa pela disposição de contratantes, projetistas e empreiteiras em retornar à velha e sábia verdade de ordem geológico-geotécnica: o procedimento de estabilização de um talude, de qualquer natureza, inicia-se, necessariamente, pela exata compreensão qualitativa e quantitativa do fenômeno geológico-geotécnico que se está enfrentando. Somente essa compreensão, para o que a participação de uma boa Geologia de Engenharia é indispensável, permitirá a adoção de uma solução perfeitamente solidária e adequada ao fenômeno. Adicionalmente, a segurança proveniente dessa compreensão libera o projetista para a adoção de Coeficientes de Segurança mais modestos e para uma maior ousadia na escolha da solução de engenharia. Do que decorrerão, em relação direta, obras mais econômicas e eficazes. Enfim, e resumindo, retornar ao primado da inteligência e do bom senso.

Fonte: Fórum da costrução por Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos

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