1 Introdução
Em um processo de investigação em edifícios as manifestações patológicas visíveis, como fissuras, desplacamento e manchas são indicativos de comportamento não previsto em projeto. A forma e a intensidade das fissuras podem revelar tendências de movimentação, deformação da estrutura ou originaria de processo de degradação dos materiais ou de sua relação com o meio.
O estudo de caso refere-se a um edifício aporticado de concreto armado e vedação em alvenaria sobre blocos de fundação em estacas de concreto. Possui 27 pavimentos e foi construído entre os anos de 1997 e 1998, sendo este localizado em Recife.
As investigações foram motivadas por fissuras radiais e circunferenciais no piso entorno de pilares no pavimento térreo e fissuras inclinadas nas paredes ligadas a pilares, não sendo observadas fissuras em vigas e lajes deste pavimento.
O aprofundamento das investigações revelou fissuras de grandes proporções localizadas na zona de tração dos blocos de fundação, que embora não afetasse o comportamento dos pilares e consequentemente as vigas e lajes, afetavam o piso e as paredes apoiadas sobre estes blocos.
Observação visual de gel preenchendo os poros do concreto associados a resultados de ensaios realizados em testemunhos de concreto extraídos dos blocos de fundação revelaram que os agregados graúdos possuem características texturais potencialmente reativos aos alkalis do concreto, além de serem observados na microscopia eletrônica indicativos fortes de reação na interface da pasta/agregado graúdo e outros indicativos materializados na queda de resistência a tração e na diminuição do módulo de deformação longitudinal desses testemunhos.
Estudos sobre blocos de estacas afetados por RAA foram realizados no sentido de analisar seu comprometimento e as conseqüências sobre a estabilidade do edifício, bem como o desenvolvimento de diretrizes para reforçar estes blocos.
2 Caracterização do problema
A investigação preliminar na área afetada mostraram um quadro fissuratório intenso localizado no piso entorno dos pilares e inclinado na região de parede por sobre os blocos de fundação, não sendo observadas fissuras em vigas e lajes do pavimento térreo, o eu de certa forma afastou a hipótese de recalque diferencial dos blocos de fundação.
As fotos 1 a 5, associado a figura 1, mostram aspectos do quadro fissuratório encontrado no pavimento térreo da edificação.
2.1 Desenvolvimento das investigações
Do mapeamento preliminar nos elementos estruturais foram observados que as fissuras aparentes estavam concentradas nas bases dos pilares mais carregados(pilares da lâmina de carga e por sobre blocos de estacas), bem como nas paredes ligadas aos pilares e/ou sobre algum bloco de fundação.
As fissuras inclinadas nas paredes do hall social e junto à escada estavam associadas à ligação pilar alvenaria e alvenarias sobre blocos de estacas, o que se constituía em indicativo de expansão ou fissuramento desses blocos de fundação.
Não foram observadas fissuras inclinadas nas vigas que indicassem algum tipo de recalque na edificação, o que minorou o problema ficando as investigações localizadas nas fundações, pelo menos para este primeiro momento.
Iniciadas escavações na base do pilar P6, sendo este escolhido para não afetar a circulação de automóveis, e por apresentar fissuras típicas do entorno dos demais pilares.
As primeiras observações já apresentavam indícios de reação expansiva possivelmente decorrente de reação álcali-agregado e com grande intensidade, existindo fissuras com abertura da ordem de 70mm e concentradas nas regiões de borda (região sem compressão). Não sendo observados indicativos de ruína por mecanismo de ruptura por punção ou flexão.
A figura 2 e as fotos 4 a 6 mostram detalhes da investigação no bloco do pilar P6.
Aprofundando o estudo no bloco selecionado, foi observado que as fissuras se concentravam na região de baixa compressão, com fissuras de aberturas expressivas nos cantos mais extremos, as quais desciam até a base do bloco, com indicativos de ruptura dos estribos. A foto 6 mostra estribo rompido nas regiões mais extremas dos blocos de fundação.
Das Investigações nas cabeças das estacas sob o bloco não foram identificadas fissuras ou degradação. As fotos 7 e 8 mostram aspectos da cabeça das estacas.
Para a confirmação da degradação por reação alkali-agregado foram retiradas testemunhos dos blocos de fundação, neste caso a ampliação da área investigada foi ampliada para dois blocos adjacentes, no sentido de fazer uma caracterização mais adequada e a extensão do problema.
As fotos 9 e 10 mostram a retirada de testemunhos dos blocos de fundação.
Foram retirados ao todo 11 testemunhos, três do bloco do pilar P6, quatro da base do pilar P12 e quatro do Pilar P15.
Testemunhos foram encaminhados para análise petrográfica e avaliação de microscopia eletrônica na ABCP-SP. Outros foram encaminhados para ensaios mecânicos no ITEP.
Observações visuais nos testemunhos revelam a existência de eflorescência esbranquiçada no contorno dos agregados e obturação por geocimentício nos poros do concreto. A foto 11 mostra indícios de RAA observados em testemunhos retirados dos blocos de coroamento das fundações.
2.2 Resultados dos ensaios
2.2.1 Análise petrográfica
Dos resultados da avaliação sobre dos aspectos estruturais e texturais do concreto, realizados pela ABCP-SP(ABCP 2012), utilizando microscópios estereoscópico e óptico, pode-se observar que as características macroscópicas do concreto mostraram que a pouca quantidade de vazios de exudação foi resultado de um adensamento adequado, enquanto a distribuição regular dos agregados graúdos em meio à argamassa evidencia uma boa homogeneização da mistura.
O concreto possui baixa porosidade macroscópica e os poros são predominantemente milimétricos. Observou-se a presença de poros preenchidos por material esbranquiçado maciço por vezes de aspecto gelatinoso ou por tufos de cristais aciculares(etringita).
Com relação às evidências da reação álcali agregado observou-se, de modo freqüente bordas de reação em torno de agregados graúdos associados a deposição de material esbranquiçado nas superfícies de descolamento e quebra do concreto. Observou-se também a presença de microfissuras na argamassa.
As foto 12 e 13 mostram o aspecto da borda de reação no entorno do agregado graúdo e o aspecto de um poro da argamassa preenchido por etringita.
A foto 14 mostra detalhes do concreto ao microscópio ótico com ampliação 100x, mostra gel da reação desenvolvendo-se ao redor do agregado graúdo e na foto 15 mostra, a luz de um ao microscópio ótico com ampliação 100x, detalhes de um poro da argamassa preenchido por cristais aciculares de etringita.
Do ponto de vista mineralógico a deformação observada nos agregados graúdos favorece o desenvolvimento de reações expansivas do tipo alçali-silicato. A presença de quartzo microgranular e quartzo fortemente deformado com extinção ondulante são os principais aspectos que conferem ao agregado o caráter reativo.
As observações com microscopia eletrônica de varredura revelam aspectos do gel típico da reação, a partir do qual se desenvolvem os produtos cristalizados, preferencialmente em meio aos grãos de quartzo ou feldspato que constituem o agregado. Foto 16 mostra aspectos dos produtos hidratados resultante da reação álcali agregado. A figura 3 mostra composição aproximada dos cristais hidratados obtidos pelo EDS
A RAA é uma reação química que se processa, numa argamassa ou concreto, entre os íons hidroxilas (OH-) associados aos álcalis óxido de sódio (NA2O) e óxido de potássio (K2O), provenientes do cimento ou de outras fontes, e certos tipos de agregado (FIGUERÔA & ANDRADE, 2008). A reação álcali-agregado é um fenômeno químico que ocorre em determinados minerais potencialmente reativos existentes nos agregados, á presença dos álcalis dos cimentos e a presença de umidade.
2.2.2 Análise físico mecânica dos testemunhos Os resultados das analises de resistência à compressão e de tração na compressão diametral estão, apresentadas nas fotos 17 a 20 estão apresentados na Tabela 1.
Segundo Dal Molin(1995) a correlação para obter a resistência à tração estimada para o
concreto a partir da resistência à compressão, pode ser obtida pela expressão:
FTD = 0,38 x fc
0,63 MPa ( válido para 20MPa < fc < 90MPa) [equação 1]
A Tabela 2 apresenta correlação entre resultados de resistência a tração estimada pela
equação [1] com as obtida nos ensaios de tração na compressão diametral
Considerando que os mesmos testemunhos foram ensaiados com a mesma idade, observa-se que a resistência à tração obtidas nos ensaios foi sensivelmente menor que as resistências estimadas, o que pode ser decorrente a perda de aderência pelas microfissuras provocadas pela RAA.
Complementarmente foram realizados ensaios de ultra-som para determinar o módulo de elasticidade dos testemunhos de concreto. Aspectos deste ensaio estão apresentados na foto 21.
A Tabela 4 apresenta os resultados das medições da velocidade do ultrasom e sua
correlação com o módulo de elasticidade dinâmico dos testemunhos com o determinado
com base na NBR 6118(Ec=5.600x fc1/2)
Novamente se observa uma diminuição significativa entre no módulo de deformação dos testemunhos com o estimado, justificado pela microfissuração existente nos testemunhos, não muito sentida nos ensaios de resistência à compressão mais que afeta o módulo de deformação e a resistência à tração.
3 Analise do problema
Para estabelecer um diagnóstico do problema observado é importante entender o potencial comportamento de um bloco quando submetido a ação expansiva do RAA. Estudos realizados por Le Roux(1992) mostraram que as tensões desenvolvidas em corpos de prova submetidos a ação de RAA são inibidas com força de compressão da ordem de 5MPa.
Larive(1997) comprovou em ensaios laboratoriais que a expansão do concreto fica restrita a áreas onde não ocorrem fortes compressões.
Para analisar o comportamento de um bloco de coroamento utilizado na dissipação das tensões de um pilar para um conjunto de estacas, pode-se utilizar o modelo das bielas desenvolvido através de análise numérica, onde os esforços atuantes no interior de um bloco se assemelham a barras tracionadas e comprimidas.
As barras tracionadas situam-se no plano médio das armaduras horizontais e se localizam logo acima do plano de arrasamento das estacas, sendo estas combatidas com armadura de fundo do bloco. Já as barras comprimidas, também chamadas bielas, são inclinadas situadas entre as estacas e a base do pilar, que são desenvolvidas pelo concreto.
Munhoz(2004) apresentou resultados da analise numérica de blocos de coroamento de quatro estacas que exemplificam o método das bielas. Silva e Oliveira(2007) mostraram a distribuição de tensões verticais nesse tipo de bloco. As figuras 04 e 05 mostram a disposição típica de um bloco de coroamento com 4 estacas sob pilar central e os resultados da análise numérica empregada.
Na representação gráfica das tensões apresentada, as cores mais quentes (vermelho) indicam tensões de tração e as mais frias (de azul a amarelo), no caso em questão, indicam regiões de compressão no interior do bloco.
Observa-se que para este exemplo mostrado as regiões na cor marrom são áreas que as tensões de compressão são bastante baixas, em alguma áreas quase nulas, localizadas justamente nas bordas do bloco.
Fazendo um comparativo com o bloco estudado na edificação em apreço, as regiões indicadas na figura pelas setas em preto, são as que apresentam as principais e mais expressivas fissuras nos blocos.
É importante considerar que para o caso do bloco de coroamento do pilar P6 do edifício em apreço a carga transmitida pelo pilar ao bloco é da ordem de 600tf, já as cinco estacas de 600mm de diâmetro recebem em média 120tf, sendo esperado que as tensões de compressão nas bielas situem entre 4,2 Mpa (cabeça da estaca) e 15MPa na base do pilar.
Assim sendo as tensões provocadas pelo RAA não seriam suficientes para provocar ruína nas bielas de compressão, sendo absorvidas por estas. Porém a zona de tração necessita de reforço decorrente das tensões de massa de expansão do concreto, possivelmente não considerado no cálculo das armaduras de tração na base do bloco.
Analisando o projeto de armação do bloco P6, apresentado na figura 05, observa-se que as barras principais que combatem os esforços de tração(24xФ25mm) foram projetados corretamente, sendo inclusive projetada para vencer toda a altura do bloco, porém no cálculo desta armação não foi considerado as ações de expansão por RAA, necessitando de reforço para combater o acréscimo de tensões.
A idéia de colocar um reforço com armadura ativa(exemplo barras de Dywidag) vem a somar, já que minimiza possíveis fissuras localizadas na base do bloco.
Já os estribos, colocados nas laterais do bloco( 11xФ10.0mm), amarrando as barras principais, por estarem posicionados nas partes mais extremas, sofreram com os maiores esforços de tração gerados pela RAA(ver Figura 05), tanto que nos dois cantos mais distantes do pilar, cantos extremos do bloco, foram constatadas rupturas em quase todos os estribos, necessitando também de um reforço do tipo encamisamento, neste caso o dimensionamento deve considerar esforços maiores, da ordem de 2MPa a 3MPa,
tomando por base a faixa de contorno do bloco.
A parte superior do bloco, onde as fissuras se propagam, merece um reforço em malha que esteja integrada com o encamisamento lateral e nas mesmas bases de dimensionamento.
É também importante que as fissuras existentes nos blocos sejam obturadas, podendo ser esta obturação com micro-cimento com adição de pozolana ou metacaulim, no sentido de dificultar a percolação de água no interior do bloco. Deve-se considerar que antes da obturação as fissuras devam ser lavadas e retiradas, o quanto possível, o material que os preenche (solo).
4 Considerações finais O não registro de fissuras inclinadas em vigas do pavimento térreo e o posterior
acompanhamento geodésico mostraram que os pilares não sofreram movimentação, apenas as paredes e pisos apoiados sobre os blocos de estacas.
Das investigações e resultados de ensaios realizados confirmam que a causa principal das fissuras nos blocos de coroamento das estacas decorreram da reação alkaliagregado.
Embora tenha sido estudado com profundidade o bloco de coroamento do pilar P6, os demais blocos de coroamento do edifício apresentaram as mesmas manifestações patológicas.
A extensão dos danos, aberturas de fissuras da ordem de 70 mm e ruptura de estribos, pode ser considerada elevada, tendo em vista que os blocos de coroamento do edifício foram construídos entre os anos de 1999 a 2000.
As elevadas aberturas de fissuras encontradas nos blocos de fundação pode ser atribuída a combinação entre a ação preponderante da RAA e outras ações secundárias(movimentação higroscópicas e tensões residuais) em áreas de compressão quase nula e/ou zonas de baixa tração existentes nas regiões de bordo superior dos blocos, que sem armação de pele(não prevista em projetos até então), contribuíram para
elevar ainda mais a abertura das fissuras.
A ação dos danos provocados pela RAA não comprometeu a segurança estrutural da edificação já que não foi registrada oxidação na armadura inferior e os banzos comprimidos no bloco e nas estacas são suficientemente elevadas para não sofrer com a ação de expansão provocada pelo RAA, porém a não execução de um projeto de reforço poderá agravar e estender as manifestações patológicas, possibilitando a oxidação da armadura de tração na base dos blocos de coroamento, afetando a estabilidade.
Fonte: Carlos Welligton de Azevedo Pires Sobrinho - MSc. Eng Civil, Unidade de Tecnologia Habitacional-ITEP e POLI/UPE
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